A última
enquete do Brasil Recente perguntou se a luta armada ajudou a terminar com a
ditadura militar ou retardou a redemocratização do país. Para a maioria dos
leitores (72%) a luta armada ajudou a derrubar a
ditadura.
Essa é uma discussão difícil. O historiador deve buscar uma leitura o mais possível objetiva, mas seria quase um cinismo não reconhecer a dimensão ético-moral do problema. Por um lado, temos o fato de que o Estado brasileiro tinha todas as condições de combater a luta armada sem apelar para a tortura e o extermínio. Por outro, mesmo os que discordam da luta armada não podem deixar de reconhecer certa generosidade no projeto daqueles jovens, sobretudo os que fizeram a opção pelas armas depois das passeatas de 1968. Esse reconhecimento compromete a objetividade da História? Creio que não. Dominick LaCapra diz que é preciso termos “empatia” pelas vítimas – o que não significa total identificação.
Os
militares propagaram a tese de que a polícia não conseguia combater as ações
armadas. Eles pretendiam justificar seu envolvimento na repressão. Esse foi o
maior erro histórico das Forças Armadas brasileiras. A imagem dos militares
passaria a ser associada à tortura e ao extermínio. Poucos militares torturaram
e mataram; muitos foram coniventes, mas todos saíram
comprometidos.
Do lado
da “guerrilha”, é preciso fazer uma distinção importante: as lideranças da
esquerda, os quadros organizados, já vinham discutindo a possibilidade da opção
pelas armas desde a vitória da Revolução Cubana, bem antes do golpe de 64. Nesse
sentido, não se pode concordar com algumas leituras da esquerda que dizem que a
luta armada foi uma decorrência do endurecimento do regime. Entretanto, muitos
jovens que participaram das passeatas de 1968 – que sacudiram o país entre março
e outubro daquele ano – ficaram chocados com o AI-5 (que veio em dezembro) e se
tornaram, assim, candidatos facilmente recrutáveis pela luta armada a partir de
1969. Eles aderiram “espontaneamente”, sem maiores reflexões. É uma situação
diferente da dos líderes.
A própria
expressão “luta armada” deve ser qualificada. Uma coisa é a Guerrilha do
Araguaia, outra são as ações armadas nas cidades. Os militares viam Araguaia
como questão militar e não se envergonham da decisão de “exterminar” o foco
guerrilheiro. As ações armadas no espaço urbano (assaltos, sequestros, atentados
etc.) eram vistas pelos militares como caso de polícia. Os militares se
envergonham do que eles chamam de “excessos”, ou seja, torturas e mortes,
diferentemente da questão do Araguaia. Durante muito tempo, tentaram negar a
tortura no combate às ações armadas urbanas.
Se não
compreendermos essa diferença, não teremos entendido nada da mentalidade militar
do período. Por exemplo, quando o “moderado” general-presidente Ernesto Geisel
disse a frase chocante, divulgada por Elio Gaspari, segundo a qual “esse negócio
de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”, muitos se esqueceram
de que ele estava falando de uma “operação militar”, não das ações armadas
urbanas. Militares são treinados para isso.
Também é
preciso lembrar que a “luta armada” brasileira foi bastante pontual. A
iniciativa da Guerrilha do Araguaia espanta pela ingenuidade; as ações armadas
urbanas não conquistaram nenhum apoio do povo, que via os militantes da esquerda
como “terroristas”.
A luta
armada brasileira não foi muito importante em termos efetivos. Não deixa de ser
um erro pensarmos que o grande confronto da época era entre ditadura e luta
armada: o golpe de 64 se deu contra mínimas conquistas populares durante o
governo Jango, não contra a “luta armada”.
O fato
de, hoje, termos condições de ver a ingenuidade e/ou equívoco daquelas
iniciativas não nos exime de considerar a dimensão ético-moral do problema. A
História não deve ser vista como um simples embate entre o bem e o mal, mas
seria uma ingenuidade ignorar o significado político da repressão
violenta.
A luta
armada foi usada como pretexto para a retomada da “Operação Limpeza” que a linha
dura vinha tentando restabelecer desde 1964. Esse grupo extremista saiu
fortalecido e encastelou-se no poder com o nome de “comunidade de segurança e de
informações”. Nesse sentido, a luta armada não ajudou a terminar com a ditadura.
Entretanto, seu paroxismo serviu para desnudar a falta de limites dos que
endureceram o regime. As campanhas internacionais de denúncia da tortura (ainda
pouco conhecidas entre nós) foram importantes para fragilizar o
regime.
Muitos
líderes e quadros organizados foram vitimados. Além disso, muitos jovens que
entraram desavisadamente na luta armada também tombaram, poderíamos dizer, quase
imolados. Pessoas que nada tinham a ver com a história também foram presas,
torturadas e mortas. Esse é um passivo que a sociedade brasileira ainda não
conhece bem e, certamente, terá de enfrentar.
Fonte: http://www.brasilrecente.com/2011/07/luta-armada-durante-o-regime-militar.html
Fonte: http://www.brasilrecente.com/2011/07/luta-armada-durante-o-regime-militar.html
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